Guerra marítima: Rússia e Ucrânia levam conflito ao Mar Negro

A guerra da Ucrânia chegou ao Mar Negro. Após o fim do acordo de grãos, que permitia o desbloqueio de portos ucranianos para a exportação do produto, a Rússia começou a realizar ataques a cidades portuárias da Ucrânia.

Em resposta, Kiev declarou que todos os navios russos no Mar Negro são alvos de guerra e realizou ataque de drones que atingiram embarcações em portos importantes da Rússia no Mar Negro. A ampliação dos confrontos para um front "marítimo" indica uma nova fase da guerra da Ucrânia.

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Os ataques russos contra portos ucranianos começaram em 18 de julho, no dia seguinte ao anúncio de que Moscou estaria se retirando do acordo de grãos. Com a decisão, ficou anulada a instauração de uma zona de segurança a embarcações no Mar Negro. A Ucrânia reagiu e em 4 de agosto atacou com drones marítimos a base russa de Novorossiysk, um dos mais importantes acessos da Rússia ao Mar Negro e o principal porto do país para a exportação de grãos. A insegurança no Mar Negro gera o alerta de que o conflito pode envolver outros países. Em particular, a Romênia e a Bulgária, banhados pelo Mar Negro, são membros da Otan, a aliança militar ocidental.

Um ataque contra um navio com a bandeira de um país da Otan seria considerado um ato de agressão ao bloco, acionando seu Artigo 5, que pressupõe que os países da aliança “concordam que um ataque armado contra um ou mais deles na Europa ou na América do Norte deve ser considerado um ataque contra todos eles”. Na prática, isso levaria a um conflito direto entre a Otan e a Rússia.

Guerra por 'esgotamento'

A Ucrânia tem dois tipos de portos que exportam sua produção de grãos: os que ficam localizados diretamente no Mar Negro, e os no Rio Danúbio que deságuam também no mesmo mar. Estes, no entanto, deságuam em águas territoriais da Romênia. Os ataques revelam uma nova estratégia russa na guerra: o esgotamento das capacidades econômicas ucranianas. O movimento tem relação direta com o impasse no campo de batalha entre as tropas terrestres.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o diretor do Instituto Ucraniano de Política, Ruslan Bortnik, afirma que a batalha pelo Mar Negro “é uma nova fase da guerra russo-ucraniana, onde o mais importante é a eliminação dos recursos econômicos do inimigo”. De acordo com ele, isso acontece porque “a guerra no campo de batalha, a tradicional entre os exércitos, chegou a um beco sem saída”.

“Nenhuma das partes consegue alcançar alguma ruptura decisiva, alguma vantagem ou êxito significativo nessa guerra. Por isso acontece a destruição da infraestrutura econômica, ou seja, da capacidade de os países financiarem a manutenção da guerra”, argumenta.

A resposta da Ucrânia atacando bases russas opera na mesma lógica, prejudicando as exportações russas de grãos pelo Mar Negro. As exportações de produção agrícola e as de petróleo feitas por navios petroleiros russos no Mar de Azov e no Mar Negro são responsáveis pelo trânsito de 15% a 27% do petróleo russo para o mercado mundial.

Um relatório de inteligência do Ministério da Defesa britânico, divulgado em 9 de agosto, aponta que a Ucrânia conseguiu encontrar um "ponto fraco" da Rússia no Mar Negro que pode ser usado pelas Forças Armadas da Ucrânia em um futuro próximo.

"Os ataques mostram que as operações com drones estão se tornando um componente cada vez mais importante da guerra naval moderna e podem ser direcionadas contra as seções mais fracas das rotas de abastecimento marítimo da Rússia", diz o estudo.

No último 8 de agosto o porta-voz das Forças Navais das Forças Armadas da Ucrânia, Dmitry Pletenchuk, declarou que os navios russos têm se mantido o mais longe possível do território da península da Crimeia e se baseiam mais perto da parte nordeste do Mar Negro.

De acordo com ele, os russos não se sentem mais à vontade na baía de Sebastopol e permanecem junto a costas reconhecidas internacionalmente, porque "o comando sabe bem que se tornaram um dos principais alvos na área das águas e isso não é seguro para eles".

O analista Ruslan Bortnik destaca que a destruição de portos e embarcações no Mar Negro é um símbolo de que a guerra está passando para um “estágio de uma guerra por esgotamento”. “Ou seja, quando não é só a posição na linha de frente que é importante para as partes, mas acima de tudo as possibilidade econômicas do inimigo”, completa.

Contraofensiva frustrada

O novo palco da guerra ucraniana surge em meio a indícios de que a tão esperada contraofensiva ucraniana no campo de batalha esteja sendo frustrada.

O general ucraniano Oleksandr Syrskyi, chefe das operações militares no leste da Ucrânia, em entrevista à BBC, afirmou que "é praticamente impossível" que a contraofensiva obtenha resultados rápidos como era esperado.

De acordo com ele, no leste, assim como no sul, a área está impregnada de minas e barreiras defensivas. "Portanto, nossos avanços realmente não estão indo tão rápido quanto gostaríamos", lamenta.

Analistas ocidentais também dão conta de que a contraofensiva ucraniana pode estar vivendo sua derrocada. O ex-oficial de inteligência norte-americano Scott Ritte, fez um prognóstico mais desanimador para Kiev. De acordo com ele, a contraofensiva das Forças Armadas da Ucrânia falhou e a Rússia tomou a iniciativa na vanguarda. "As Forças Armadas da Ucrânia tentaram avançar pelo menos cem metros durante todo o verão, enquanto o exército russo avançou onze quilômetros na direção de Kharkov em apenas alguns dias. Obviamente, a Ucrânia não tem chance de vencer", analisa.

Ritter observou que as Forças Armadas da Ucrânia não conseguiram nem chegar perto da primeira linha de defesa russa, enquanto Moscou está gradualmente lançando uma ofensiva em diferentes direções.

O analista Ruslan Bortnik não descarta que este cenário de falta de êxitos da Ucrânia e esgotamento econômico de ambas as partes possam forçar aos dois países a necessidade de negociar para cessar as hostilidades. De acordo com ele, um momento decisivo para esta virada pode se dar a partir do final de outubro, quando se aproxima o inverno e as condições meteorológicas esgotarão as possibilidades da contraofensiva ter avanços no campo de batalha.

“Pela lógica do processo político-militar, plenas negociações podem começar no final de outubro ou começo de novembro deste ano, quando ficarão claros os resultados da contraofensiva ucraniana […] possivelmente não em um formato direto, mas por meio de mediadores. Ou seja, a Ucrânia realiza negociações com seus mediadores de um lado, e a Rússia realiza negociações com seus mediadores de outro lado. Mas diretamente eles não negociam, assim como foi feito com o acordo de grãos”, aposta.

Edição: Rodrigo Durão Coelho

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